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8.9.06

Alguns meses atrás, São José dos Campos foi alvo de uma grande disputa. Disputa esta que serviu para calar a boca dos difamadores da nação, vermes que alegam terminantemente que este é um país de instituições em ruínas, falidas e inoperantes.
Tudo começou numa bela manhã, quando alguns motoristas de São José foram surpreendidos por uma dúzia de tachões (espécie de tijolo amarelo que serve de obstáculo para diminuir a velocidade dos veículos) afixados na saída de um dos muitos acessos que a cidade tem para a via Dutra. Os tachões foram instalados pela concessionária da rodovia, a NovaDutra, a pedido da Polícia Rodoviária Federal, que havia identificado o local como ponto de risco de atropelamentos.
Os tachões cumpriram o seu papel e obrigaram os motoristas a reduzir a velocidade no trecho. Só que também provocaram lentidão no trânsito local. Ao invés de 10 segundos, os motoristas passaram perder 30 ou 40 segundos para percorrer o acesso e chegar à Dutra. Esse verdadeiro absurdo foi a gota d’água que acabou por fazer transbordar toda a indignação de parte da população que se viu prejudicada por aquela intervenção.
O jornal Valeparaibano começou tímido, registrando em pequenas notas o descontentamento dos motoristas com os tachões. A Câmara Municipal e a Prefeitura, então, resolveram se manifestar. Posicionaram-se ao lado dos motoristas e contra a colocação dos obstáculos. A NovaDutra se esquivou, disse que atendeu apenas a um pedido da Políca Rodoviária Federal. Esta, por sua vez, alegou o risco de atropelamentos e defendeu a permanência dos tachões.
As discussões foram aumentando (em repercussão e temperatura) e ganhando espaço cada vez maior no jornal local. Motoristas rebelaram-se contra o autoritarismo da Polícia Rodoviária e, para evitar os obstáculos, passaram a cortar caminho por meio do canteiro que separa o acesso da rodovia. Em seguida, num episódio que remonta a heróicas batalhas pela libertação de povos, o Sindicato dos Motoristas e Cobradores de São José dos Campos decidiu despejar contra os tachões a mesma ira que devota às negociações e campanhas salariais de sua abastada e feliz categoria. Armados de marretas, sindicalistas destruíram os tachões para acabar com o jugo que se abatia contra trânsito e motoristas. Tentáculos da opressão, a Polícia Rodoviária Federal apareceu para acabar com a festa. Mas nenhuma batalha dessas termina sem um mártir, e o gesto nobre de desprendimento veio do presidente do sindicato, que abriu mão de sua liberdade em favor do movimento, e seguiu preso após desacatar um dos policiais.
Diante de tamanho absurdo contra a sociedade, o Ministério Público Federal decidiu agir. Pediu à Justiça Federal a retirada dos tachões. De maneira célere e pragmática, como não poderia deixar de ser, a Justiça Federal ouviu os gritos da população e concedeu a liminar que finalmente livraria os motoristas dos "tachões da discórdia". É claro que cabe recurso à decisão.
A poucos dias das eleições que, parece, devem eleger no primeiro turno um presidente que conseguiu montar a maior farsa política da história contemporânea do Brasil, essa história de cidadãos de São José dos Campos serve para ilustrar a garra de um povo, de um país, que nunca deixa de lutar por seus ideais e pelas conquistas que realmente importam.

6.5.06

Caminhando pela calçada, no frio final de noite de Mogi das Cruzes, me sentia entorpecido, como se estivesse vivendo um sonho. Pesadelo, talvez, seja o mais apropriado. Frases de efeito e os velhos clichês das análises futebolísticas para justificar o injustificável: a injustiça cometida contra um grupo que, por ser tão grande, é chamado de nação.

Apenas algumas horas antes poderia jurar que um desfecho como aquele seria inconcebível, improvável. Mais: impossível de acontecer. Afinal, aquela noite de quinta-feira, quatro de maio de 2006, prometia ser grande, memorável. E será, porém não da maneira que prevíamos – e desejávamos.

Caiçara passou para me pegar em casa por volta das 21h. Depois de meses, enfim reencontrava um grande amigo da juventude. Nos conhecemos quando Caiçara mudou de Santos (por isso o apelido) para Mogi. E acabamos por estudar na mesma sala do então colégio Santo Agostinho. Era o segundo ano do ensino médio.

A princípio, Caiçara reunia todos os requisitos para se tornar um inimigo de um jovem como eu, que tinha facilidade para fazer inimizades. E, para piorar, ainda ganhou o coração da garota que eu acreditava que amava. Eu o odiei. Mas os rancores duraram pouco tempo. Logo descobrimos muita coisa em comum, a começar pelo gosto musical. De repente, havíamos nos tornado grandes amigos.

Caiçara então passou a ser o alvo principal de minhas gozações (admito que tenho um jeito estranho de demonstrar apreço). Como ele fazia muito sucesso com as mulheres, eu fazia de tudo pra constrangê-lo na frente delas, principalmente quando ele tentava xavecar uma durante o intervalo. Eu e os outros colegas de sala nos divertíamos muito. E a própria vítima não conseguia conter as gargalhadas.

Mas o segundo grau chegou ao fim e veio a universidade, que me afastou de Caiçara e de todos os outros colegas do Santo Agostinho. Eu fui cursar jornalismo em uma das universidades da cidade. Ele foi fazer direito na outra. Ficamos anos sem nos falar até que, num daqueles encontros improváveis, conseguimos retomar a amizade.

Só por esse fato, aquela noite de quatro de maio já seria especial. E, acreditávamos, ficaria completa com a vitória do Corinthians sobre o River Plate, pela Libertadores da América. Caiçara e eu seguimos para a padaria Canadá, no centro de Mogi, para assistirmos ao jogo. No local, pequeno, se aglomeravam outros cerca de 50 corinthianos, olhos fixos no monitor instalado próximo ao teto da padaria. Um dos únicos locais da cidade onde aqueles que não são assinantes da Sportv poderiam assistir ao jogo.

Havia gente de todo tipo na padaria. Sentados no balcão, bem de frente para a tv, senhores de meia idade que deviam ter chegado ao local ainda antes do anoitecer para reservar o lugar privilegiado. Eu Caiçara conseguimos nos acomodar nos fundos da padaria e teríamos que ficar em pé o tempo todo. Mas demos sorte. Quem chegou mais tarde quase nada pode ver. Para conseguir de alguma maneira acompanhar a partida, um rapaz se valia do reflexo da televisão em um vidro do caixa da padaria.

Durante o primeiro tempo do jogo tudo correu muito bem. Quando o time entrou em campo, a platéia da Canadá bateu palmas. Alguns arriscaram gritos de incentivo, como se os jogadores realmente pudessem ouvi-los através do televisor. Os erros do time e a arbitragem, quando contrária aos corinthianos, provocavam reações públicas de revolta e inconformismo de uns. Pessoas que passavam de carro e moto pela rua Ricardo Vilella, e até motoristas de ônibus, reduziam a velocidade para acompanhar um pedacinho da partida pelo televisor. Quando Nilmar marcou de cabeça o gol do Corinthians, a padaria foi tomada por uma explosão de alegria. Eu finalmente me entreguei a toda aquela atmosfera e, enfim, me senti como se estivesse no estádio do Pacaembu.

No intervalo do jogo, muita animação e conversa regada a cerveja. Eu cheguei a avaliar que a defesa do Corinthians, ponto mais vulnerável da equipe, estava se portando muito bem naquela noite. Mas temi ser precipitado e, por uma ponta de superstição, decidi mantê-la só para mim.

Fiz bem. Bastaram nove minutos no segundo tempo para que a defesa corinthiana mostrasse o que todo mundo sabia, mas insistia em não admitir: este não é um time capaz de vencer uma Libertadores. A ducha fria veio com o lateral Coelho, e o seu gol contra. A equipe, que até então vinha mostrando um equilíbrio notável, desmoronou.

Quando o River virou o jogo, os sinais de frustração podiam ser vistos nos olhos e no rosto de todos na padaria. Mas como a esperança, dizem, é a última que morre, os corinthianos só deixaram a Canadá quando os argentinos fizeram o terceiro gol e jogaram a pá de cal no túmulo alvi-negro.

Caiçara e eu deixamos a padaria. Enquanto caminhávamos pela calçada, naquele final de noite frio de Mogi das Cruzes, ainda incrédulos, muitas coisas passavam pela minha cabeça. Pensei que talvez a Libertadores realmente seja um sonho inalcançável para o corinthianos. Um daqueles tabus que nunca serão quebrados.

Me lembrei de Caiçara dizendo, quando ainda aguardávamos o início da partida, de como é surpreendente o amor que esta torcida tem pelo clube. Doméstico, com uma história e importância no futebol mundial que parecem inexpressivas diante dos resultados de São Paulo, Palmeiras e Santos. Mesmo assim, continuamos sendo os maiores rivais de todos eles. E com uma torcida indiscutivelmente maior.

Caiçara me conta que uma vez um corinthiano das antigas lhe disse que hoje é muito fácil torcer para o Corinthians. Difícil foi passar pelos 23 anos de fila sem arranhar o amor pelo time. Pode ser. Essa eliminação vai deixar uma marca profunda. Mas a verdade é que, apesar das decepções, derrotas e dissabores, nunca vamos abandonar esta paixão. Talvez esta seja mesmo a graça em ser corinthiano.

1.2.06

Para meu amigo Evaldão 

São José dos Campos, 1 de fevereiro de 2006, 11h55 (horário de verão). Ao contrário do que a profissão possa sugerir, sempre tive uma certa dificuldade para dar início aos meus textos. Claro que isso não acontece no momento de escrever um texto padrão de reportagem. Aquele tipo que, como ensinam aos jornalistas na universidade, tem que responder, em um único parágrafo, as famosas perguntinhas: o que, quando, onde, como e porque. Mas este está sendo um dos mais difíceis. Talvez seja porque ele vá tratar de um grande amigo. Meu grande amigo Evaldo Novelini. O Evaldão, como eu costumo chamá-lo, está neste exato momento passando por um delicada cirurgia no coração. Algo que chega a ser irônico, porque quem o conhece não consegue acreditar que um coração como o dele possa ter algum "defeito". Achava que se algum dia o Evaldão fosse passar por alguma cirurgia seria, talvez, para fazer uma lipoaspiração e dar um jeito naquela pança branca dele. Mas o coração, realmente, não dá pra acreditar.
Eu conheço o Evaldo há pouco tempo. Desde 2001, quando ele, demitido do Diário de Suzano, foi trabalhar como repórter de Esportes no jornal da cidade vizinha, O Diário de Mogi, onde eu já estava há alguns meses, só que na editoria de Cidades. Dividíamos a mesma bancada e até o mesmo ramal de telefone, o 9038. Só não dividíamos o mesmo computador porque ainda havia um resquício de bom senso entre os donos do jornal, que naquela época passava por um processo pré-falimentar. A amizade não demorou para acontecer e, com o tempo, se firmou. E os bons papos, discussões sobre política e futebol, e as brincadeiras, serviam para amenizar os descontentamentos diários inerentes à profissão, ainda mais num ambiente como aquele em que vivíamos. Ao mesmo tempo, crescia minha admiração pelo repórter competente, dono de textos brilhantes, que acabou por conquistar todo o jornal e servindo de inspiração para todos - especialmente para mim.
Apesar de palmeirense, o Evaldão é um homem honesto, de um caráter ímpar. Tem um jeito meio atrapalhado, brincalhão, quase bonachão. Mas um olhar clínico e um senso de justiça difíceis de achar. É a companhia perfeita para uma cerveja. Um amigo leal. E foi por tudo isso que eu o escolhi padrinho do meu filho Renato. A internet não teria espaço suficiente para abrigar um texto com todas as histórias que tenho pra contar desse cara.
Companhia de tantas alegrias, nas últimas semanas acompanhei momentos difíceis na vida do Evaldão. As semanas que antecederam a cirurgia foram especialmente difíceis. Amigo, não foi fácil ver você passando por todos aqueles momentos de medo e incertezas. Eu realmente não sabia o que te dizer ou o que fazer para aliviar o teu sofrimento. Porque nunca acreditei que iria te ver passar por uma dificuldade dessas. Não combina com a sua história. São 13h04, e eu estou aqui em São José esperando por notícias suas. Estou aflito e torcendo para que tenha dado tudo certo. Tenho certeza que vai dar. E como eu te disse na véspera da sua internação, daqui a alguns dias você vai estar recuperado e tudo vai voltar ao normal. Toda essa atmosfera mórbida vai dar lugar à nossa velha alegria e, como de costume, tudo vai ser motivo para boas risadas. Só não vale me chamar de viado depois de ler este texto.

8.9.05

Há algumas semanas, recebi uma mensagem de uma garota no Orkut. Ela perguntava se eu trabalhava na Folha on Line. Respondi à pergunta e, na seqüência, ela me enviou o seguinte e-mail:

“Oi.. a entendi, é que eu li na folha on line. foi vc que escreveu sobre o caso dos garotos de Guarulhos né? Ygor e Thiago.. sobre os mendigos em Caraguatatuba..? na verdade não sei nem pq estou te perguntando isso, não vai acrescentar em nada na minha vida. É que um dia eu sofri mto ao ler uma matéria sua, cheguei a te odiar sem saber ao menos quem era vc, doeu mto ler tudo aquilo, só Deus sabe o q senti, só Deus sabe o q sofri e sofro até hoje, pois um dos meninos é meu grande amigo e o outro é o q podemos chamar de "amor da minha vida"e eu sei que eles são inocentes, e que estão sendo vítimas de uma justiça mto injusta, mas tenho fé em Deus que a verdade vai parecer, tenho fé que um dia Deus vai me devolver minha vontade de viver. Hoje com o passar do tempo vejo que vc estava apenas fazendo o seu trabalho.., mas quero apenas que vc saiba, eles são inocentes e podem pagar por um crime que não cometeram, vitimas da injustiça, da mentira e da falta de carater das pessoas que se dizem "vítimas" de um crime que não aconteceu. Sei que pode estar me achando louca por estar te escrevendo tudo isso, mas sou apenas uma pessoa desesperada, com medo do amanhã, mas que tem esperança que um dia a justiça seja feita. Obrigada por me " ouvir".

Ela está se referindo a dois rapazes de Guarulhos que foram presos em Caraguatatuba no começo deste ano, acusados de espancar e, se não me engano, tentar colocar fogo em dois mendigos que dormiam nas areias de uma praia. As informações são da polícia da cidade, claro.

13.8.05

"Desde que eu cheguei aqui, não vi um policial nessa praça. Tá faltando polícia nessa cidade. No meu governo vai ter mais polícia na rua". Que foi um político o autor dessa frase, é desnecessário dizer. O problema é que ela não saiu da boca de nenhum representante da direita reacionária, como Maluf, nem de uma figura conservadora do tucanato/pefelê como Alckmin ou o seu secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, de conhecida simpatia pelo autoritarismo mussolínico.
Disse tal frase Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato a presidente da República, durante um comício na cidade de Suzano, na Grande São Paulo, pela campanha para as eleições de 2002, que ele, como se sabe, acabou vencendo. Com um mínimo de sensibilidade e conhecimento político, percebe-se a dificuldade, até então, de encaixar uma frase tão banal e politicamente estúpida na biografia da figura. E não seria difícil concluir, já naquela época, que alguma coisa estava errada.
Testemunha ocular do fato, reconheço que só hoje, quase três anos depois, me ocorre tal constatação. Por falta de sensibilidade, por preguiça, por boa vontade, por ingenuidade. O comício aconteceu em um sábado quente e ensolarado, mas não me recordo o mês, tão pouco o dia. Lembro-me que no dia anterior, na redação do Diário de Mogi, recebi da editora a notícia de que, na tarde seguinte, cobriria a visita do candidato petista à região. Não era meu plantão, e minha editora me deu a notícia com um sorriso no rosto, como que sabendo que estava me fazendo um agrado. E eu recebi a incumbência como um presente.
Na tarde seguinte, lá estava eu na principal praça no centro de Suzano. Lula chegou atrasado e atravessou a praça, em direção ao palanque, cercado de eleitores, fãs, políticos oportunistas e jornalistas. Um pouco antes, eu havia conseguido subir no palanque sob o disfarce de assessor de imprensa de um vereador de Mogi, que deu suporte à carteirada. Lula passou por mim com cara séria. Atrás dele se seguiram, não necessariamente na mesma ordem, Marta Suplicy, então prefeita de São Paulo, José Genoíno, então candidato a governador pelo PT, e a futura primeira dama Marisa Letícia, que dirigiu, a mim e aos demais sobre o palanque, um simpático sorriso. Não tenho certeza sobre outros nomes.
Logo que a muvuca diminuiu, dei dois passos a frente e coloquei a mão sobre o ombro esquerdo de Lula. Ele olhou para mim ainda sério. Gritei em seu ouvido meu nome e do jornal que representava. Ele continuou olhando para a minha cara, ainda sério. Eu lhe estendi a mão. Ele a apertou com a mesma expressão fechada. Lhe fiz três perguntas ao pé do ouvido, tão desimportantes hoje que nem vale a pena cita-las. Ele me respondeu às três de forma direta e, rapidamente, virou-se e seguiu à frente do palanque, enquanto eu era afastado pelo assessor de imprensa da campanha.
O assessor me levou para a ponta do palanque e pediu para que eu transmitisse aos demais jornalistas, amontoados na praça, as declarações feitas a mim por Lula. Mais eufórico por ter apertado a mão de um ídolo do que por ter sido o único repórter a conseguir subir no palanque e entrevistar Lula, soltei uma gargalhada marota e revelei a ele minha verdadeira identidade. O assessor ficou puto. E, para se vingar, mandou subir os jornalistas que representavam os dois outros jornais diários da região - e que estavam mais desesperados pelo furo iminente -, e permitiu que fizessem três perguntas cada um ao candidato. E me expulsou do palanque.
Depois de um discurso típico do populismo eleitoreiro, com frases e promessas tão desgastadas, genéricas e não-cumpridas com a que abre o texto, Lula finalizou o comício, desceu do palanque e, com a esposa, adentrou um Omega australiano vinho cercado por jornalistas e eleitores, e se foi.
As semanas seguintes foram de dias inesquecíveis. Contrariando meu pai, amarrei uma faixa de uns dois metros de comprimento na janela do meu quarto, de frente para a rua, onde se lia o slogan mais repetido nas ruas brasileiras nos últimos meses: "Agora é Lula". Por toda a casa, objetos receberam os devidos adesivos da campanha petista. Meu telefone no jornal e até a lateral do bebedouro, entre os banheiros masculino e feminino, o ponto mais freqüentado da redação, também foram decorados com o material da campanha.
Talvez só você, Evaldão, é capaz de entender ainda hoje a alegria que nos acometeu naquele dia no jornal, após a confirmação do resultado do segundo turno das eleições. A gente não conseguia desgrudar da tv a cada flesh com as repercussões da vitória do Lula. E a nossa pueril, quase romântica esperança de que enfim os rumos seriam outros, foi capaz de enclausurar no ponto mais profundo do nosso inconsciente a contundente obviedade de que ninguém que fizesse um acordo político com um ser tão promíscuo como o Boy, teria em mente boas intenções para com Brasil.
Hoje, diante de toda a perplexidade provocada pela revelação de tanta sujeira, eu confesso que não sei mais o que pensar. Não sei também o que dizer para gente como o meu pai, que tantas vezes me aconselhou a repensar o voto e, principalmente, o comportamento de cabo eleitoral, dizendo que conhecia essa "cambada do PT", que "nenhum deles presta, político é tudo igual", totalmente convicto, diante de toda a sua experiência de vida, de que a vitória do Lula seria um desastre para o país.
O que vou dizer para a Juliana, amiga da minha mulher, que durante a campanha de 2002 ousou me enviar um daqueles e-mails elogiosos ao Serra e críticos ao Lula, que foram tão comuns na época, e recebeu de mim uma resposta tão dura , embaraçosa e pouco delicada? O que eu vou dizer para o bando de parentes que se decidiu por votar no PT ou mesmo mudou de voto, entre outros fatores, pela minha petulante e voluntária insistência?
Me recordo do dia da posse do Lula, no dia 1º de janeiro de 2003, que eu acompanhei integralmente pela tv. Em discurso, após receber a faixa presidencial de um atabalhoado FHC, Lula garantiu que não decepcionaria os brasileiros. Ele foi além. Acabou com toda a esperança que eu tinha de que meu filho cresceria num país melhor, mais justo, menos desigual. E quando eu olho para o passado, custo a acreditar que agora sou capaz de dizer FORA LULA!

26.7.05

Houve um tempo em que visitar Campos do Jordão (167 km de São Paulo) tinha um significado bem diferente da busca pelo lazer e a diversão que hoje move uma legião de turistas, principalmente durante o mês de julho.
Entre as décadas de 1920 e 1960, dezenas de milhares de pessoas passaram por Campos em busca da cura para a tuberculose - doença infecciosa que ataca principalmente os pulmões. Grande parte delas não saiu viva de lá.
Para atender a demanda, foram construídos naquele período uma série de sanatórios, hospitais especializados que transformaram a cidade em referência no tratamento da tuberculose. Campos chegou a ter 15 desses sanatórios, com mais de mil leitos, todos ligados a irmandades religiosas ou entidades de classe.
Entretanto, no final da década de 1970, após o surgimento de drogas que aumentaram as chances de cura e diminuíram o tempo de tratamento, o governo federal mudou sua política para a tuberculose. A internação dos doentes não era mais necessária.
A decisão provocou o fechamento dos sanatórios de Campos do Jordão. Mas a partir do início da década de 1980 os prédios passaram a ganhar outra destinação. Atualmente, a estrutura de antigos sanatórios abriga desde hospitais e asilos, até hotel, colônia de férias e uma escola.
É o caso do sanatório S-1, que no passado alojou crianças tuberculosas, e onde hoje funciona a escola particular Dora Lygia, com 200 alunos. A proprietária, Vanda Kara José Pinheiro, diz que adquiriu a área de 10 mil m2 - 1.000 m2 de construção -, na primeira metade da década de 1980.
"Onde era a capela e o berçário do sanatório, por exemplo, hoje são salas de aula. A antiga ala de isolamento hoje é a sala dos professores", conta Pinheiro. Segundo ela, além da arquitetura original, nada mais lembra que ali funcionou um hospital. "As únicas coisas que restavam do S-1 eram duas placas inaugurais instaladas nas paredes, mas foram retiradas há alguns anos".
Inaugurado em 1934, o Sanatório São Cristóvão foi um dos maiores de Campos do Jordão até ser desativado, no início da década de 1980, por falta de pacientes. O sanatório foi construído pela então Sociedade Beneficente dos Chauffeurs (lê-se "chofers") de São Paulo para atender aos companheiros de categoria atingidos pela doença. São Cristóvão, como se sabe, é o padroeiro dos motoristas.
Com a derrocada do tratamento para tuberculosos, a associação decidiu construir no local um novo prédio, que abrigaria um hotel de 140 quartos. Atenderia aos associados da agora Sociedade São Cristóvão, administradora de um plano de saúde e de um grande hospital na capital paulista.
O hotel São Cristóvão começou a funcionar em 1985. Ao lado continua a estrutura do sanatório, com seus 12 mil m2 de área construída, e que serve apenas de depósito de materiais velhos do hotel.
Hoje administrador do hotel, Mário Sérgio Moretti é o último remanescente dos funcionários do sanatório. Ele conta que para não assustar os hóspedes que costumam caminhar pelos jardins ao redor do local, foi retirada a inscrição "sanatório" em concreto sobre a entrada do antigo hospital, permanecendo apenas o "S. Cristóvão".
"Ainda tem muito preconceito com isso, né?", diz. "Chegamos a ter aqui 160 leitos para tratamento dos tuberculosos, e mais de 70 funcionários. Quando o governo mudou o tratamento da doença o número de pacientes diminuiu muito. O sanatório só dava prejuízo e foi preciso fechar", relata.
O advogado e historiador Pedro Paulo Filho, 67, sete livros sobre Campos publicados, conta que o potencial turístico da cidade foi descoberto tardiamente devido à tuberculose, que gerou um grande preconceito contra Campos na época.
Segundo ele, o preconceito contra a cidade na primeira metade do século passado era tanto que muitos moradores de Campos levavam suas mulheres para dar à luz nas cidades vizinhas.
"Os moradores ou comerciantes daqui, quando viajam para outras cidades, escondiam das pessoas serem originárias de Campos do Jordão. Era algo depreciativo", conta.
O historiador defende que a cidade seja recompensada pelos governos federal e estadual pelas décadas dedicadas à cura da tuberculose que, segundo ele, adiaram o desenvolvimento de Campos. E sobre o turismo milionários de hoje – que apenas durante o mês de julho giram mais de R$ 50 milhões e reserva detalhes pitorescos com o shopping center de R$ 15 milhões que funciona apenas 30 dias no ano -, diz triunfante:
"As belezas de Campos venceram os bacilos de Kock. Passamos de estação de cura para a maior estação turística do Brasil".

Nota do autor - a princípio, esta reportagem - a maior parte dela, na verdade, porque aproveitei a ausência de limite de espaço para acrescentar detalhes que lhe foram subtraídos na origem - estamparia uma das páginas de um grande jornal do país. Mas a história foi considerada fraca, por não ter relação com o turismo - que, convenhamos, é o que importa naquela cidade -, e com um astral "pouco positivo" para os olhos dos ricos leitores, que ultimamente têm a índole fatigada e machucada pela leitura diária de tanto escândalo, corrupção, etc. Pena.

6.7.05

Aquele dia qualquer do inverno de 2005 parecia ser apenas mais um na vida de Dagoberto. Estava prestes a completar 30 anos e nos últimos seis trabalhava como balconista e chapeiro em uma lanchonete que funciona em um trailler, em frente ao edifício Vip Center, o maior de São José dos Campos, com 18 andares e mais de 250 salas comerciais. Ao longo do dia Dagoberto fritava pastel e assava salgadinhos que seriam saboreados principalmente pelo pessoal que trabalha no prédio. Dentistas, médicos, psicólogos, advogados. Alguns desciam até o trailler para fazer o pedido, ou comer ali mesmo. Outros nem se davam àquele trabalho. E para evitar perder 10 minutos descendo e depois subindo de elevador panorâmico, faziam o pedido por telefone. E algum funcionário do trailler tinha que ir até a sala do cliente entregar. Passava um pouco das 8h30 daquela manhã qualquer. Dagoberto enchia bisnagas de mostarda e pensava como a vida é uma merda, quando ouviu um barulho estranho vindo da direção do prédio. Pôs a cabeça para fora do treiller e tentou descobrir de onde vinha aquele ruído. A impressão que tinha é que haviam jogado um armário pela janela de um dos andares do Vip Center, que havia se espatifado sobre a laje do hall de entrada do prédio. Alguém apareceu pedindo uma coxinha, e ele acabou se esquecendo do ocorrido.
Preto, 55 anos. José Carlos já nem se lembra mais há quanto tempo perdeu o emprego de metalúrgico na fábrica da GM de São José dos Campos. Há anos sustentava uma vida de merda vendendo bilhetes de loteria e raspadinha próximo ao edifício Vip Center, no centro da cidade. José Carlos observava aquela gente que entrava e saía do alto prédio, subindo e descendo pelos elevadores panorâmicos, e indagava a si mesmo como aquela gente rica podia ser tão filha da puta. "Nem para comprar um bilhetinho meu de vez em quando. Vão todos tomar no cu". José Carlos decidiu parar de insistir. Não ofereceria mais seus bilhetes para aquela gente que fingia que ele não existia, que desviava dele na calçada como se ele fosse uma das lixeiras instaladas pela prefeitura. Naquela manhã Zé Carlos estava puto da vida. Na noite anterior, quando chegou em seu barraco – um cômodo feito com compensado, 1,5 m x 2,0 m – haviam furtado tudo o que ele tinha juntado na vida: Uma cama e um colchão velho com mais de 10 anos de uso, doado por uma igreja; um fogão de duas bocas que não funcionava há muito tempo; e o radinho de pilha que costuma acompanhá-lo durante as madrugadas de insônia e alucinações provocadas pela cachaça. Parou em frente a uma loja onde na vitrine havia algumas televisões ligadas no telejornal. O repórter falava sobre um tão de "mensalão" que andavam pagando a deputados lá em Brasília. Zé havia ouvido sobre esse tal mensalão no seu saudoso e velho radinho de pilha. Essa história havia deixado o ex-metalúrgico muito triste. Não conseguia acreditar que seu ex-companheiro de profissão, Lula, o presidente-operário, havia permitido o funcionamento de um esquema de corrupção tão revoltante. Mas o que fez perder a cabeça o vendedor de bilhetes foi a reportagem seguinte. Era sobre uma festa julina organizada por Lula na Granja do Torto, a residência oficial. Zé Carlos ficou fora de si. "Puta queu pariu. Esse país indo pro saco e o Lula me faz uma festa julina? ". A ira extrema, associada à fome, gerou no cérebro de Zé Carlos uma vertigem sem precedentes. De repente, não conseguia mais controlar a saliva, que escorria pelo seu queixo. E o céu foi invadido por milhares de passarinhos cor-de-rosa. Um homem barbudo caminhão em sua direção, pegou em sua mão e lhe disse: "Venha comigo que lhe ensino como voar com os passarinhos". Ele sorriu e acompanhou o estranho, que seguiu para o interior do edifício Vip Center, o maior de São José dos Campos. Subiu por um dos belos elevadores panorâmicos até o 18º andar do prédio. Saiu do elevador, passou por uma das janelas logo ao lado e, com um sorriso no rosto, saltou em direção aos passarinhos cor-de-rosa. Dois segundo depois, seu corpo se espatifou, como um armário, contra a laje do hall do prédio.

7.6.05

Sexta-feira, 24 de junho, segundo dia do feriado de Corpus Christi. É outono, a temperatura está baixa. Campos do Jordão - um lixo de cidade no meio da Serra da Mantiqueira que, não sei porque, a elite de São Paulo decidiu invadir todos os anos nessa época - está lotada. Mais complicado do que compreender esse fascínio dos ricaços paulistanos por aquela merda de cidade, porém, é entender os motivos que levam um dos maiores jornais de um país como o Brasil a enviar um repórter seu para Campos do Jordão a fim de "cobrir" diversão da aristocracia.
Ainda bem que pobre não tem dinheiro - ou não tem interesse - para comprar jornal. Se o fizesse, ao ler reportagens como a que relatou mais um dia de festa dos ricaços em Campos - que ocupou 1/4 de página (contando a foto) e incluiu testemunhos do tipo "a cidade está muito lotada, cheia de gente bonita. Estou curtindo muito o passeio" - poderia ficar puto da vida e, quem sabe, até provocar uma revolta. Me refiro a gente que, às bordas do desespero, liga ou procura o jornal em busca de ajuda para denunciar problemas como filas no INSS, extorsão de bancos, falta de médico em hospitais públicos, e todas essas pequenezas da casta inferior que, de tão antigas, persistentes e arraigadas, já soam chatas, desconfortáveis aos olhos daqueles que o jornal considera seus verdadeiros leitores.
Campos do Jordão um dia foi apelidada de "Suíça brasileira". A alcunha faz referência ao clima frio da cidade, que fica a 1.800 metros de altitude. A baixa temperatura, aliás, é a única coisa em comum entre um dos países mais desenvolvidos do mundo e o município valeparaibano. Nos demais aspectos, Campos do Jordão caminha ao lado das mais pobres e desamparadas cidades do Estado e do País.
Realidade transfigurada durante os dois ou três meses de duração da alta temporada de inverno. Nessa época, Campos do Jordão se transforma no luxo do lixo. Vide os congestionamentos que atingem as minguadas avenidas da pequena cidade. Não são simples congestionamentos, são congestionamentos de Mercedez, Cherokees, BMWs, Porches e, não raro, até Ferraris. Audi A3 é, como se diz, carne de vaca. Pilotados por gente disposta a ficar mais de uma hora dentro do carro para percorrer uma distância de 5 km ao longo dos pontos mais movimentados de Campos. Ah...a soberba...
Quem vence o primeiro desafio para a conquista do cume dessa verdadeira Disneylandia, chega ao bairro do Capivari. Nos arredores da praça batizada com o mesmo nome do bairro, fervilha "gente bonita". "Como é que ainda dizem que existe crise nesse país? Olha só pra cidade, está lotada", conclui, se dirigindo ao repórter, uma senhora de meia idade que, no coloquial, seria descrita como madame ou perua.
Não dá pra tirar a razão da entrevistada. Afinal, quem está acostumado a viver nos luxuosos prédios dos Jardins, na Capital, e a passar férias nas paradisíacas praias da costa sul de São Sebastião ou Ilhabela, durante o verão, e no Capivari de Campos, no inverno, realmente pode concluir que o país está uma maravilha. Aliás, qualquer pessoa naquele momento ali na praça teria a mesma impressão. O repórter gira 360 graus e a única coisa que vê é "gente bonita". Mulheres estonteantes, em um desfile libidinoso que não tem fim. A concupiscência poreja através da pele daquelas alvas ninfas cobertas por roupas cujo preço ultrapassa de longe o salário do observador. Não há um negro sequer ao redor.
Em meio a toda essa atmosfera, alguém pode questionar sobre a diversão. Nesse ponto, nossa elite é bastante excêntrica. E o repórter ainda não tinha plena consciência disso até aquela tarde, quando, de repente, se viu no centro das atenções de centenas daquelas belas pessoas que lotavam a praça do Capivari, gargalhando e apontando em sua direção. Olhou para baixo e percebeu que havia pisado em um monte de estrume de um dos cavalos da Polícia Militar de São Paulo que trabalhavam na segurança de nossa preciosa elite. Percebeu em seguida que aquelas centenas de bonitas pessoas haviam conservado durante um bom tempo aquele monte de merda, aguardando ansiosos pelo momento em que zombariam do desavisado que acidentalmente pisasse ali.
Debaixo dos uivos e urros de satisfação da nossa elite, olhei ao redor em busca dos pirralhos responsáveis por aquela molecagem. Me surpreendi ao constatar que a autoria daquela traquinagem fora daquela gente elegante, de meia idade, sentada no famoso Baden Baden, bebendo uma caneca de cerveja a R$ 9,00 e degustando um saboroso fondue. Em seguida uma senhora, faxineira de um dos bares, se aproxima com um balde e uma vassoura para limpar o estrume do local. Pobre não pode ver rico se divertindo!! Nossa elite ficou revoltada com a petulância da faxineira. Ela foi retirada do local e o monte de merda permaneceu para o deleite da freguesia. Que gente insaciável...

17.3.05

Meu professor de inglês é um senhor de 78 anos. Viveu 10 anos nos Estados Unidos, onde se formou em literatura e língua inglesa pela Michigan University. Era apaixonado por fotografia - ainda tem a valiosa Layca modelo 1960, mas a máquina fotográfica agora fica só ocupando espaço no armário. Me contou que quando estava nos EUA costumava fotografar muito. Um dia, um senhor desconhecido viu alguns de seus slides e, impressionado, o convidou para ser fotógrafo, vejam vocês, da National Geographics, uma das principais revistas do mundo. Ele não aceitou. Preferiu continuar o curso. Queria ser professor.
Os anos se passaram e o diploma, como esperado, saiu. O que ele não esperava era pelo convite feito pelo reitor da Michigan, que ofereceu a ele uma das cadeiras da equipe docente de uma das universidades americanas mais importantes. Dessa vez foi a saudade do Brasil que venceu. Ele disse não ao reitor e retornou para casa.
Nos 40 anos seguintes, este senhor se dedicou ao ensino da língua inglesa. O ganha-pão garantiu a casa própria em um bom bairro de Mogi das Cruzes. Um carro médio na garagem e uma qualidade de vida de um classe média brasileiro. Nada de muito luxo.
Não garantiu, entretanto, um fim de vida tranqüilo e leniente, ao contrário do que certamente aconteceria se não tivesse deixado escapar qualquer uma das duas oportunidades que tropeçaram em seu caminho. Apesar da diabetes e das dificuldades inerentes a uma pessoa de 78 anos, ainda é obrigado a trabalhar para sustentar a casa. O número de alunos se reduziu drasticamente nos últimos anos. Muitos deles, aliás, hoje são seus concorrentes. O salário atual dele está abaixo do meu, um rapaz de 25 anos com uma experiência infinitamente menor, apenas no início de uma carreira totalmente incerta.
Na semana passada me confidenciou que as dificuldades aumentariam. O problema foi causado por um fio desencapado em algum lugar da casa dele. Houve uma fuga de corrente, a conta de energia elétrica de janeiro foi a R$ 3 mil (bem superior ao que ele ganha no mês).
A concessionária poderia ter avisado que algo estava errado, já que sua conta havia saltado de R$ 200 para mais de R$ 3 mil (mais de 1000%). Não o fez. O professor só foi perceber no mês seguinte, porque deixa a conta de energia elétrica em débito automático, e a conta bancária foi ao vermelho.
Me disse que procurou o Procon, que disse nada poder fazer. Foi, então, à concessionária que, muito solidária e compassiva, lhe ofereceu a possibilidade de quitar a dívida, superior a R$ 5 mil, em duas singelas parcelas.
Como é de se esperar de um senhor de idade que, alguns anos antes foi capaz de deixar um bilhete com seu nome e telefone grudado em um carro que ele havia amassado em uma batida dentro de um estacionamento de banco e que nem o dono ou qualquer outra pessoa havia presenciado, meu professor aceitou carregar a cruz. Fazer o quê?
Uma injustiça como essa, que atinge alguém que sempre foi compromissado com a ética e com seus deveres como cidadão (um trouxa inocente e pueril, alguém poderia sugerir), é algo que deveria indignar todo mundo. Mas, vejamos: Daniela Cicarelli e Ronaldo se casando; houve até barraco! Futebol, Futebol, Futebol!! E o Ratinho está de programa novo no SBT!!! O Copom subiu mais uma vez a taxa selic!!!! Pois é, há muita coisa mais importante pra nos preocupar.
E por falar em taxa selic, chegamos à política. Você acredita que apesar de tudo o que viveu e viu meu professor ainda tem fé que vai surgir alguém capaz de dar um jeito nessa merda de país?
Eu, confesso, perdi as esperanças. Pra mim, quem está certo mesmo é o finado Bezerra da Silva que um dia profetizou: "Para tirar meu país dessa baderna, só quando morcego doar sangue e saci cruzar a perna". Sábio.
Um amigo meu escreveu certa vez que se borra de medo de brigar no trânsito. Segundo ele, o povo brasileiro atura todo o tipo de exploração e de rasteira, mas basta uma fechada no trânsito pra nego sacar a arma e encher outro de pipoco.
Político aqui nesse país faz o que quiser. Severino Cavalcanti e seu bando poderiam muito bem aprovar o aumento salarial oficial de nossos parlamentares, para merecidos R$ 21 mil. A mídia tocaria no assunto três dias, no máximo. Durante uma semana, o fórum dos leitores dos jornais receberia e-mails indignados de brasileiros inconformados com a baixeza da classe política. Mas só. Ninguém moveria uma palha sequer para mudar o que foi feito. Nosso país não tem esse costume.
Tanto que o último bastião político da esperança brasileira, Lula, personifica hoje a decepção histórica do país. A minha em especial. Uma decepção que chega a doer.
Mas agora eu vou parar de escrever porque vai começar o Big Brother Brasil - 5. Hoje tem paredão e não posso perder.

8.2.05

Ficará para a história este dia. Na verdade uma noite. Uma noite de Carnaval, que eu passei sóbrio. Abaixo vai um texto, um pouco longo é verdade, mas que relata o que aconteceu. Deve ser encarado como uma reportagem, por que é isso que ela é. Uma reportagem que fui fazer mas que nunca vai existir, pelo menos não na concepção que ela teria originalmente.


Minha mulher achou estranho. Para alguns de meus amigos, foi motivo de chacota. Afinal, convenhamos, não é usual um crítico contumaz das religiões em geral, escolher justo uma comunidade católica para passar o sábado de Carnaval. No meu caso, não foi bem uma questão de escolha. Apesar de a sugestão ter partido de mim, fui a trabalho. O objetivo era registrar em uma reportagem que em algum lugar deste país existem pessoas que conseguem promover a "Festa da Carne" mesmo sem álcool, drogas e sacanagem. "Se até feijoada light já inventaram, vai ver então que é mesmo possível um Carnaval sem os ingredientes principais, os mais saborosos", pensei comigo.
Cheguei a Cachoeira Paulista por volta das 19h. Encravada no Vale do Paraíba paulista, a cidadezinha era, há até pouco tempo, conhecida apenas por abrigar o Cptec, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável pelas previsões climáticas de todo o país. Você não sabia que o Cptec ficava ali? Não se incomode. Aposto que 99% dos brasileiros não têm idéia que ele exista.
A tal sigla, que quer dizer Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, aparece todos os dias no Jornal Nacional e, só por isso, deveria ser muito famosa. Surge sempre quando o telejornal informa a previsão do tempo. Do lado esquerdo do televisor, na parte de baixo. Desaparece poucos segundos depois.
Poucos homens a percebem porque, instintivamente, nossa atenção se volta para os gestos da gostosa que apresenta os dados climáticos. Eu mesmo só vi a sigla uma vez, porque neste dia o quadro foi apresentado por um cueca...
Pois bem. De uns tempos pra cá, Cachoeira Paulista tem chamado a atenção por conta do que vem acontecendo numa chácara localizada próximo ao centro da cidade. Não é apenas uma chácara. É uma chácara de 248 mil m2.
Ali fica a sede da Canção Nova. É uma comunidade católica. Administra uma emissora de tv batizada com o mesmo nome. São cinco retransmissoras espalhadas pelo Brasil. Além de 21 emissoras de rádio. Um verdadeiro conglomerado de mídia.
O cenário é o de uma cidade cenográfica. Eu nunca estive em uma cidade cenográfica antes, mas deve ser parecido com o que vi. A entrada é por um portão grande que fica aberto 24 horas. Entra ali quem quiser e na hora que achar mais conveniente. São dezenas de seguranças espalhados por todas as partes.
Recebe os visitantes uma cruz metálica de uns cinco, seis metros de altura. Atrás dela, está o estúdio de tv e o prédio da rádio. Mas não é tudo. Alí também funciona uma agência de propaganda, uma editora de livros e um estúdio onde são gravados cds e fitas cassete com melodias de teor religioso, interpretadas por cantores e bandas pertencentes à congregação.
Também são produzidos ali, diariamente, dezenas de cópias dos sermões dos padres feitos durante cada uma das missas rezadas na paróquia local - e que estão à disposição dos fiéis no formato de CD, cassete ou vídeo. Você pode adquirir tudo em um mercado instalado na própria chácara. Mas se preferir, pode comprar pela internet (a Canção nova tem um portal visitadíssimo) ou então pelo "call-center". São 160 atendentes prontas para, a qualquer hora do dia, anotar o seu pedido e despachá-lo para qualquer ponto do país.
Funcionários, aliás, a Canção Nova tem muitos. São cerca de 1.500. Mas 60% são missionários, ou seja, trabalham praticamente em troca de casa, comida e roupa lavada. Doam a maior parte do salário para a comunidade. Outra fonte de renda do grupo religioso são os 500 mil "associados", pessoas comuns, espalhadas pelo país, que simpatizam com a causa católica e doam dinheiro mensalmente à comunidade.
MOSANA
É uma dessas missionárias que me acompanha no "tour" pelo chácara gigantesca. Chama-se Mosana. Tem 23 anos e há cinco deixou Brasília para viver no local. Abandonou a família, colocou um súbito ponto final no namoro de cinco anos, desistiu do recém-iniciado curso de jornalismo da UNB.
"Recebi o chamado de Jesus", justifica ela ao repórter. Mosana mora em um dos alojamentos da congregação. Conta que vivem ali pessoas casadas, solteiras e adeptas da castidade. Afirma que faz parte do último grupo. Relata que os missionários praticamente vivem de doações. Até o alisamento feito em seus cabelos castanhos, na altura do pescoço, aconteceu, diz ela, por graça de uma cabeleireira caridosa.
Mosana é uma mulher simpática e que se comporta com muita solicitude e humildade. Demonstra isso no momento em que me leva até o mini-shopping instalado na comunidade. Na entrada, uma mulher, provavelmente outra missionária, estica o braço direito e pede que a assessora de imprensa entregue a sacola plástica que carrega nas mãos. Mosana poderia simplesmente mostrar o crachá que a identifica como gente da casa. O ato, certamente, faria a tal moça recuar. Mas ela nem titubeia e cede a sacola, que recebe um lacre preto de plástico, para evitar os furtos. "Sou uma pessoa como qualquer outra que está aqui", diz ela.
O CARNAVAL
A missa terminou pouco depois das 19h30. Imediatamente, cerca de 25 mil fiéis abandonam o novo rincão, um ginásio coberto, gigante, com capacidade para 170 mil pessoas. Eles sobem por uma rampa e, a 200 metros de distância, se aglomeram agora em uma área que fica próxima à entrada da chácara.
No local, o trio-elétrico já aguarda a multidão. Poucos minutos depois, a banda começa a tocar e, assim, tem início o segundo dia do Carnaval 2005 promovido pela Canção Nova.
Eu escrevi 25 mil pessoas? Trata-se do número oficial. Na opinião do repórter, não passavam de 10 mil. E olhe lá. Mas, convenhamos, a matemática não é meu forte.
O fato é que o trio-elétrico deu início ao carnaval. E que milhares acompanhavam o caminhão azul pelo trajeto. Aquela festa poderia ser confundida com qualquer outra realizada em incontáveis pontos do país. Entretanto, alguns detalhes fazem deste um carnaval insólito.
Das potentes caixas acústicas transportadas pelo caminhão, ouve-se axé music, pagode e samba. Mas preste atenção em uma das letras cantadas pela banda:

Já chegou, Já chegou
O Espírito Santo chegou
Já chegou, Já chegou
O Espírito Santo chegou

Ou então esta outra:

Sou DDD, Doidinho De Deus, Doidinho De Deus
Sou DDD, Doidinho De Deus, Doidinho De Deus
Mas pelo menos meu hospício é lá no céu
Mas pelo menos meu hospício é lá no céu

Os romeiros-foliões pulam, dançam, cantam, executam seqüências coordenadas de passinhos, como se estivessem...como se estivessem...em um baile de carnaval! São principalmente jovens. Vêm de diversas partes do país e até do exterior. Uma caravana trouxe 50 moradores da cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero. Haviam portugueses e franceses também.
A maioria fica acampada nos gramados espalhados pela chácara. São centenas de barracas. O espaço é dividido em três campings. Em um deles, ficam apenas os rapazes. Em outro, as mulheres. O último é destinado a famílias. Uma mulher e um homem só dormem juntos numa mesma barraca se apresentarem a certidão de matrimônio.
Bebida e drogas não são permitidas no interior da chácara. Na lanchonete, só se encontra água, suco e refrigerante. Ninguém é revistado ao entrar na área, mas se for flagrado por um dos seguranças esvaziando uma lata de cerveja ou fumando um baseado, pode acabar expulso. Segundo Mosana, entretanto, nesse último caso auxílio psicológico poderá ser oferecido ao infrator que quiser abandonar o vício.
Tudo ali é gratuito, exceto a comida. No banheiro masculino há chuveiros e uns cinqüenta vasos sanitários. E, acreditem, tudo é muito limpo apensar do uso intenso. A estrutura do local, aliás, impressiona. A cidade de Cachoeira Paulista não conta com um caixa-eletrônico da Caixa Econômica Federal. Mas na Canção Nova há um deles. Ao todo são quatro agências bancárias dentro da área.
As camisetas com imagens de Jesus e Maria, ou então frases do tipo "100% católico", ditam a moda no lugar durante a festa. O tipo mais comum tem estampada a sigla "PHN", que significa "Por Hoje Não [pecarei]".
Mulher bonita e gostosa tem aos montes. Mas todas vestem peças comportadas, como calça jeans e camiseta. Uma morena linda passa ao meu lado. Tem nos pés sandálias de salto alto. A calça azul-geladeira esconde a pele mas, por justa, revela que a dona tem pernas bem torneadas e glúteos formosos. A blusa branca, igualmente justa, mostra uma cintura fina e seios fartos.
Em um baile de carnaval convencional, a morena seria assediada por 10 entre 10 machos que cruzassem com ela. Mas ali eu sou o único a torcer o pescoço para acompanhar seu belo corpo que toma distância. Alguns rapazes ao redor percebem meu comportamento lascivo. Me olham com reprovação. Devem ser um bando de viados.
No ambiente há uma completa ausência de sensualidade. Não vi um único casal trocando beijos ou amassos. As brigas, tão comuns em qualquer baile de carnaval convencional, não têm vez ali. Em mais de 20 anos de festa, nunca se registrou uma confusão sequer.
O cantor anuncia que o trio-elétrico encerra a participação no carnaval daquela noite. A festa continuaria agora no interior do ginásio gigante. Antes, porém, avisa ao microfone que um telefone celular foi encontrado por alguém, que procura o dono. Realmente este não é um carnaval comum...
Cominho para o novo rincão, como chamam o ginásio, e encontro no caminho uma moça que leva uma Bíblia nas mãos. Ela concorda em colabora com a reportagem. Diz que veio de Goiânia e que estuda economia. "No mundo lá fora, os jovens são alienados. Aqui as pessoas tem mais consciência da vida", me disse ela.
No rincão começa um show com a banda Mensagem Brasil. O ritmo das músicas é o gospel. Mas em algumas vezes mistura pagode ou ritmos caribenhos.
O cantor é um negão alto e barrigudo. Veste calça preta e camiseta branca por baixo de uma camisa preta. Transpira como um bode. O acompanha no palco três back-vocals. Nada de mulatas semi-nuas ou gostosas com shortinhos executando danças libidinosas. Trata-se de um trio de tiazinhas com idade entre 40 e 50 anos. A mais ousada delas veste uma blusa que deixa os braços a mostra.
O repórter fotográfico diz que já tem material suficiente. Digo a ele que podemos ir embora. Me despeço de Mosana (apenas um aperto de mão) e sigo para o carro. São 11h30 da noite e, dali a no máximo uma hora, a festa seria suspensa e os fiéis retornariam para suas barracas.

29.12.04

Ano Novo 

Estes dias que antecedem a virada de ano são sempre carregados de um clima que revela toda a natureza humana. O embaraço pelas promessas não cumpridas; a euforia de mais uma vez prometer cumpri-las; o alívio de uns por um ano ruim que acaba; a alegria de outros por mais um ano que chega; a frustração de uns pelos sonhos não conquistados; a esperança de outros pelos sonhos que, acreditam, se realizarão.
Esta semana de festa entre Natal e Ano Novo não fez muito sentido para mim nos últimos anos. Família em crise, sabe como é. Há três anos atrás, num dia 31 de dezembro, devorei um livro de 200 páginas pela simples falta do que fazer. Nem me dei conta que o um novo ano começava até que, faltando poucas páginas para concluir a leitura, fui tragado de volta para a realidade pelo estardalhaço dos fogos de artifício.
Mas nem sempre foi assim na minha família. Antes da mudança para Mogi das Cruzes, irmãos, primos, tios, avós, pais, filhos, cunhados, genros, noras costumavam se reunir na casa dos meus avós maternos.
Alguns pontos altos da festa se tornaram simplesmente folclóricos. Meu avô totalmente xarope de tanta cachaça; minha tia solange reclamando da bagunça que ela teria que limpar no dia seguinte; e eu e meus irmão chorando depois de mais um safanão do meu pai.
Nesta última categoria, a mais antiga que eu me recordo, e da qual eu fui vítima, aconteceu quando eu devia ter uns 9 ou 10 anos. Meu pai tinha um Passat, uma daquelas porcarias que hoje inundam o Iraque. Na minha casa todos se preparavam para o reveillon na casa da "vóparecida" (junção entre avó + Aparecida).
Como eu não tinha o que fazer, fui esperar dentro do carro do meu pai, ouvindo música. Me lembro que estava brincando com os pedais do carro, quando o meu pai chegou. Ele tentou ligar o carro, mas não conseguiu. Tentou de novo, de novo, e de novo. Nada. Nem poderia, porque de tanto pressionar o acelerador o carro afogou. E todo mundo chegou atrasado na casa da minha avó.
Lembro que subi a escada impulsionado pelas bicas "carinhosos" do meu pai, que me xingava pra caralho.
Em uma outra passagem de ano, isso quando eu já devia ter uns 14, 15 anos, o esporro foi dividido entre mim e meu irmão mais velho.
Naquele 31 de dezembro a gente foi comer umas menininhas. Até aí, tudo bem. O problema é que a gente levou a chave de casa, ao invés de deixar em um esconderijo que toda a família usava (não tinha esse negócio de cópia para todo mundo e, na época, também não tinha celular para nos localizar). E dentro da casa, mais especificamente dentro da geladeira, ficou trancada grande parte da ceia da família Amato.
Dever cumprido com as menininhas, seguimos direto para a casa da vovó para bater a larica. Fomos recebidos por um ser vermelho que não era um Papai Noel reload, mas sim o meu pai ruborecido de tanta raiva.
Mas o fato é que depois da mudança para Mogi, eu e os meu irmão viramos aqueles adolescentes típicos que renegam a família e começam a passar a virada mais com amigos e namoradas do que com parentes.
Hoje, mais crescidinho, sinto falta daquelas festas na casa da vóparecida. Neste ano convenci meus irmãos a passarmos juntos o Ano Novo com os meus pais. Não vai ser a mesma coisa, é claro, mas já é bem melhor. Pra completar a festa, só apanhando do meu pai de novo.



5.12.04

Sonho de uma noite de verão (na primavera)... 

Oito meses depois do corte, ontem eu retornei à redação do Diário de Mogi. Tinha sido convidado e aceitei voltar a escrever para o jornal. Conversava com o dono, que tentava me convencer a retirar minha queixa trabalhista contra o jornal (em três anos de labuta, alguns salários atrasados e não pagos, nenhum 13º salário ou férias remuneradas recebido, nenhum centavo do meu FGTS depositado, entre outros). O mais engraçado é que eu estava com o bloco de anotações na mão, pronto para cumprir mais uma pauta, me preparando para sair com aquele macróbio do Oscar, o motorista mais tinhoso da imprensa. Então, de súbito, acho que minha consciência se revoltou e decidiu colocar as coisas em ordem: O bloco de anotações saiu da minha mão em um arremesso incrivelmente violento e foi parar na cara do porco filho da puta do meu ex-patrão. Isto feito, me dirigi à saída da redação, quando na minha frente aparece o editor-chefe da bagaça. "O que está acontecendo? Posso ajudar?", o covarde me questionou. "Vai se foder, seu cuzão", foi a minha resposta. E então eu acordei...

11.10.04

Meu querido irmão mais velho 

Meu irmão mais velho, o mais "certinho" dos três, foi o único lá de casa que tomou bomba na escola. Foi no primeiro ano do colegial. Nunca vou esquecer daquele dia, muito menos ele. Acho que o coitado sente até hoje na pele as cintadas levadas do meu pai. Ao me lembrar desse caso coloquei a memória pra funcionar e cheguei a um fato curioso. Apesar de sempre ter sido o mais recatado, caseiro, tímido, misantropo e "certinho" entre os três, o meu irmão mais velho, hoje com quase 29 anos, foi o que mais se fodeu com o meu pai. A esta altura já deu pra perceber que meu pai é um cara um pouquinho, digamos, rígido. Todos nós apanhamos muito quando moleques. Mas o meu irmão mais velho foi não só o que mais apanhou, mas também aquele que tomou as maiores das surras. Uma vez, não me recordo bem o que o mané foi fazer, só sei que ele acabou estourando um cano dentro do banheiro da casa da minha avó paterna. Ao invés de pedir ajuda pra alguém, ele simplesmente pegou uma espátula ou seu lá o que e arrancou todo o reboque da parede. Acho que ele quis tentar consertar a cagada, mas acabou fazendo uma grandiosa merda. Eu estava na escola, acho, e quando cheguei em casa vi meu irmão no quintal. Ele estava de costas pra mim e chorava igual a uma criança (na verdade ele era uma criança, por volta de uns 12 anos). Nas costas dele, reluziam e cintilavam vermelhas as digitais do meu querido pai.
O coitado é tão azarado que, em algumas oportunidades acabou levando mesmo quando não era o autor da cagada. Uma vez, em um dos carnavais da primeira metade da década de 1990, a família foi toda pra Mococa, nossa linda cidade natal. Naquela época Mococa ainda tinha um dos mais belos e concorridos carnavais de rua do interior de São Paulo. A comissão julgadora era formada por alguns dos juízes que julgavam os desfiles do Rio e de São Paulo, sente só. Havia quatro agremiações, mas a maior rivalidade era entre as tradicionais Vira-Virô e Fundão. Neste carnaval específico de que estamos tratando, depois de um desfile disputadíssimo, a Vira-Virô se sagrou a campeã. O povo do Fundão ficou muito puto. As duas escolas realmente haviam estado pau-a-pau na avenida. Eu, meu irmão mais velho e mais uma turma de umas três mulheres e dois amigos tínhamos ido até o local da apuração na Parati 1.8 GLS vinho 1992 do meu paizinho. Ele adorava o carro. Por isso, só o fato de termos enfiado um bando dentro da Parati, que com tanto custo ele nos entregou, já seria motivo suficiente para um puta esporro. Mas não estávamos satisfeitos, ou melhor, eu não estava. Depois que saímos da apuração, demos uma volta na cidade e passamos em frente à sede do Fundão, os perdedores do carnaval. Havia uns 300 cornos na rua, tomando amargamente o chopp que havia sido comprado pra comemorar a vitória que não veio. Eis que ao passar pela multidão de torcedores do Fundão, num momento sublime de estupidez pura, resolvo subir na janela do carro e gritar bem alto o nome do rival e vencedor Vira-Virô!! Todo mundo começou a me xingar, e eu achei que ia acabar por alí. A sorte é que pouco depois cruzamos com uma viatura da PM e um dos gambés me mandou descer da janela. Não rodamos cinqüenta metros, paramos num cruzamento. De repente, escuto um barulho vindo bem do meu lado. Era a primeira das muitas bicas que seriam dadas na Parati 1.8 GLS vinho 1992 do meu paizinho. Os cornos dos torcedores do Fundão vieram atrás da gente e nem percebemos. Um deles tentou abrir a porta do passageiro, onde estava a criatura que provocou tudo aquilo, mas não conseguiu porque, ao sentar na janela, eu abaixei o pino da porta, que travou. Foi o que me livrou de tomar uma surra histórica. Meu irmão mais velho, depois de alguns segundos, se deu conta de que não era o carro sambando mas sim um punhado de bicas que estavam fazendo tudo sacudir daquele jeito, e resolveu acelerar. Deixamos a galera numa praça no centro da cidade e seguimos pra casa com o carro todo amassado. Contamos para o meu pai o que tinha acontecido e o que ele fez? Calma, isso vem depois. Ele colocou nós dois dentro da Parati e voltamos, agora os três machões, pra tirar satisfação com os trezentos torcedores do Fundão que haviam avariado a Parati pelo simples fato de um mané ter tirado um sarro com a cara deles. Chegamos no local, descemos os três do carro. Meu pai chegou logo num gordão e foi querendo saber os nomes daqueles que haviam chutado a Parati. O cara mandou meu pai ir tomar no cu, claro. Mas até que ele foi gente fina, e disse: "É melhor o senhor voltar pra essa merda desse carro e dar o fora daqui senão vai ser pior". Ele avisou, mas não deu tempo. Logo, uns trinta vieram pra cima da gente. E aí é que vem o detalhe engraçado da história: eles passavam todos por mim e seguiam direto para o coitado do meu irmão mais velho. Lembro que um cara voôu com os dois pés nas costas dele. Depois disso decidimos entrar no carro. Saímos a milhão e meu pai achou melhor a gente procurar a delegacia. Mas não deu em nada. E eu, autor da cagada, nem mesmo apanhei do meu pai.

22.9.04

Encontros e desencontros 

Um amigo me contou uma história engraçada. Tudo começou num sábado à tarde, quando ele voltava pra casa depois de mais um plantão. Estava viajando em um dos vagões do metrô de São Paulo e lhe chamou a atenção um casal de namorados, ambos com vinte e poucos anos, que se beijava a alguns metros de distância dele. Segundo esse meu amigo, não era um beijo qualquer. Dava pra ver que os dois estavam apaixonados.
O relato do beijo do casal de namorados era apenas a introdução da história. Meu amigo estava visivelmente triste e abatido. Me disse que sentiu uma inveja constrangedora da reciprocidade de sentimento entre aqueles dois. Que está casado há pouco tempo, menos de um ano, e sentia muito por não viver com a mulher algo tão intenso e ao mesmo tempo simples, como demonstrava aquele beijo.
Ele me disse em seguida que conseguiu enxergar naquele gesto a diferença entre amor e paixão. Indignado, constatou que o mundo todo apregoa o necessidade de amor, mas esquece que sem a paixão este se acomoda, vira lugar comum e ganha outro nome: tédio.
Meu amigo contou que já foi apaixonado pela sua mulher. Recordou alguns dos vários bons momentos que passaram juntos nestes últimos anos. Olhando para o vazio e com um sorriso nos lábios, relatou que nos primeiros anos de namoro recusava convites dos amigos para noitadas regadas a drogas, bebidas e mulheres. Acostumou-se a ouvir desaforos desses mesmo amigos, inconformados com a fidelidade e lealdade devotas por ele à então namorada.
Hoje, continuou, a situação é bem diferente. Afirma que ama a esposa, mas que isso não o impede, nem ao menos o desmotiva, a ficar horas na internet procurando por casos esporádicos, romances efêmeros de motel. Acha que a paixão acabou. Olhando para o chão, diz que não se recorda da última vez que deu ou recebeu da esposa um beijo apaixonado. Como aquele do casal de namorados no metrô. O sexo, diz, ficou chato e burocrático.
Ele me pediu um conselho. Disse que não sabia como ajudá-lo, mas que devia esperar porque as coisas provavelmente vão melhorar. Que essa é só uma fase pela qual ele está passado. Mas eu acho que ele não acreditou...

10.9.04

Mococa 

Fazia uns oito meses que eu não ia até a minha cidade natal. Mococa, no interior de São Paulo, também conhecida como "Terra da Vaquinha". Quem com mais de 20 anos não se lembra da célebre canção: "A vaquinha Mococa está dizendo móóóóóó..."? Oito meses parece bastante tempo para alguém cuja família toda continua na cidade. Mas, eu confesso, já fiquei dois anos sem dar as caras por lá. E me arrependo muito...
Esta última visita foi diferente. Acho que nunca senti tanta vontade de voltar à minha cidade. Tudo começou há poucas semanas, quem diria, no Orkut. Achei uma comunidade sobre Mococa na famigerada página. Não consigo mais passar um dia sequer sem acessá-la. Reencontrei conhecidos e, nos tópicos de discussão, relembrei de alguns episódios que estavam em algum lugar bem escondido da minha memória, repletos de teias de aranha. No começo eu até cogitei que esse esquecimento poderia ser reflexo de todos esses anos sob o efeito da "erva mardita". Mas depois eu percebi que, desde que deixei a cidade, há quase 11 anos, não só as memórias mas todos os traços característicos de um mocoquense se esvaíram de mim, como se estivessem sido porejados, como se eu tivesse passado por uma "desintoxicação".
Mas como eu disse antes, essa última visita à cidade foi especial. Com um monte de lembranças ressuscitadas na cabeça, segui viagem disposto a reencontrar aquele garoto deixado pra trás, como se tivesse caído do caminhão de mudança.
No último dos três dias de visita, caminhei até uma rua onde eu costumava brincar, apenas um quarteirão acima da minha antiga casa, que ainda pertence aos meus pais. O sol inclemente e o calor sufocante me fizeram lembrar de Macondo. Subi toda a rua, um aclive, e sentei em frente à casa onde morava uma antiga namorada. Júlia. Foi nela que eu dei o primeiro beijo, aos sete anos de idade, vejam só! A janela da sala estava aberta e deu pra ver que a casa continua a mesma não só por fora. Logo depois de mudar de Mococa eu a reencontrei, durante uma visita à cidade. Os dois estavam bêbados e uns beijos rolaram. Ela estava mais linda do que nunca. Loira natural, uns peitinhos sensacionais. Depois daquela noite, nunca mais a vi.
Uma casa depois da dela o bairro terminava e começava uma área de pasto. Agora ali existe um condomínio em plena expansão (ao ritmo de uma cidade de 65 mil habitantes, claro). Quando ali ainda não haviam casas nem postes de iluminação, os casais costumavam seguir até aquelas ruas de carro para transar. Eu e mais um grupo de amigos seguíamos até lá para assistir às cenas de sexo ao vivo. Quando enchia o saco, a gente saía do meio do mato e começava a xingar os casais. O objetivo era fazer com que ligassem o carro e partissem pra cima da gente. Quase sempre a gente conseguia. Corríamos pelo asfalto até que o carro se aproximasse e, aí, a gente mergulhava novamente pra dentro do matagal.
Ali do lado também fica a escola onde eu estudei da pré-escola até a sétima série. EEPG Professor João Cid Godoy. A camiseta do uniforme era branca, com duas finas listras horizontais - uma azul outra vermelha - na altura do peito e um "G" do lado esquerdo. Me aproximei pela parte de trás e me assustei com o muro construído recentemente, cercando o antigo campo de futebol. Na minha época a escola era toda aberta. Tanto que na hora do recreio - eu estudava de manhã -, nos dias em que a merenda não atraía, seguia até minha casa a pé pra tomar café e depois voltava. Por uma fresta no portão pude ver que o prédio da escola continua o mesmo. Diziam que no passado a área foi um cemitério de escravos. Meu irmão mais velho sempre conta uma história de que passou sozinho pela escola num final de semana, quando ainda era criança, e viu o capeta. Mas eu acho que é mentira.
Passava das 14h desse último dia seis de setembro de 2004. O sol estava cada vez mais forte e resolvi terminar o passeio. Na volta, passei por um caminho de terra que dá acesso à antiga rua onde eu brincava. Tive a idéia de tirar os chinelos e andar descalço pelo chão duro de terra, sem camiseta e só de bermuda, como eu fazia quando criança. Pouco depois eu tive que botar os chinelos novamente. Estes anos todos usando tênis com amortecedores de alta tecnologia e ultraconfortáveis transformaram aquele cascão marrom e espesso das palmas dos pés do moleque em uma pele de camada fina, delicada e alva, incapaz de suportar o incômodo da temperatura e das pedras do caminho.
Cheguei em casa ainda um pouco confuso, resultado de tanta nostalgia ruminada. Só depois de alguns minutos eu consegui reassumir a aura de homem de 25 anos, casado, pai de um garoto lindo. Peguei a estrada de volta pra Mogi das Cruzes, onde hoje está a minha casa. Mas saí de Mococa aliviado por ter me reencontrado.

10.6.04

É por isso que eu bebo... 

Apesar de ter escrito alguns posts atrás que iria abandonar a tal epígrafe, não pude resistir à essa última tentação. É porque essa frase é a que melhor define o atual momento. Se você der uma olhada lá no final do texto, vai constatar que esse relato foi escrito na madrugada de quarta para quinta-feira. Já passa das 5h30 e eu estou na frente do micro. Insônia? Sim, até porque é impossível dormir em uma sala fria de um escritório no centro de São José dos Campos (Vale do Paraíba) repleta de pernilongos e que não passa por uma faxina há pelo menos dois meses. Pra completar, não há cama. Nem mesmo um colchão ou colchonete. O leito é um punhado de jornais, edições antigas da Folha e do Agora, espalhados pelo carpete empoeirado e encardido. No lugar do travesseiro, outro punhado de jornais envoltos na minha jaqueta de couro. Mas o frio era muito grande e tive que vesti-la novamente.
"O que ele ta frazendo lá" deve ser a pergunta que passa pela mente do leitor. Eu explico. O último ônibus de São José dos Campos para Mogi parte da rodoviária às 20h15. E ontem à noite eu só consegui finalizar o trampo bem depois desse horário. Resultado: não tive como ir pra casa. Podia pegar um taxi, gastar uns R$70,00, mas achei que não compensava. Decidi passar a noite aqui mesmo.
Pra ser sincero, eu já esperava que isso acontecesse. Só não contava que seria logo na primeira semana de trabalho. Nem que seria tão ruim. Uma ex-colega de faculdade chegou a me oferecer o AP dela, no caso de precisar pernoitar por aqui. Fiquei com vergonha de pedir assim tão de repente. Cê não imagina como tô arrependido.

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Esses primeiros dias de trampo novo estão sendo legais. Uma nova cidade, um mundo de gente nova pra conhecer, um trabalho legal, um bom salário, a possibilidade do reconhecimento impossível de ser alcançado no trampo anterior. As coisas não poderiam estar melhores. Na segunda-feira, primeiro dia em SJC, tudo me impressionou muito aqui. Um escritório bem equipado, no quarto andar de um prédio comercial bem legal de 18 andares e três elevadores panorâmicos. Trabalhar sozinho....
Sem contar que agora eu não preciso mais acordar todos os dias às 4h30 da madrugada pra pegar o fretado em direção à capital. Nem tenho mais que enfrentar trens superlotados da CPTM no final da tarde pra voltar pra casa. Um pequeno ponto ruim é que não consigo mais ouvir a Brasil 2000 no meu walkmen, como fazia todos os dias dentro dos trens. Entretanto, agora vou ter grana pra comprar meus CDs, o que não faço há mais de seis meses.

27.5.04

O japa louco e um jornalista a beira da fúria 

Não sei porque, me lembrei ontem de um tiozinho japonês, de uns cinqüenta anos, que encontrei uma vez numa das viagens diárias nos trens da CPTM. Ele chamou a minha atenção, e de todo o resto dos passageiros, por um motivo muito simples: era um daqueles filhos da puta que ficam pregando dentro dos vagões, acredito eu que tentando convencer algumas pessoas a se converterem a alguma religião, mas que no final das contas acaba é deixando todo mundo com vontade de jogá-lo pela janela (detalhe: com o trem em movimento).
Ao lembrar do tiozinho japa, pensei comigo: “puta que o pariu. Se encontro com aquele mala do caralho de novo, seria capaz de bater nele”. Não preciso dizer que eu odeio esse cuzões que ficam pregando nas composições. Os caras não querem saber se a pessoa está a fim de ouvir o que eles têm a dizer; não se importam se o camarada acordou às 4hs e naquela hora está tentando recuperar alguns preciosos minutos de sono nos bancos duros da CPTM; não estão nem aí se o passageiro, ao invés da pregação, estiver mais interessado em conversar com a namorada ou o colega ao lado, ou até mesmo em ler um livro. Sou da opinião que, se um cara como esse quer levar as mensagens de sua crença para outras pessoas, que o faça discretamente na frente da porra da sua igreja. Se quiser fazer isso no trem, no máximo entregue um folheto. Quem estiver interessado, vai ler e procurar mais informações a respeito. Do contrário, joga a merda do folheto fora e continua a ler o seu livro, escutar sua música, conversar com seu colega, namorar, sem ser importunado.
Mas a vida tem dessas coisas inusitadas, coincidências que a gente nunca entende. E no mesmo dia que eu roguei praga no japa, ele me apareceu novamente no mesmo trem que eu. O pior de tudo é que, apesar de ter uma cara de louco-xarope-varrido, o japa anda bem vestido. E assim como da oportunidade anterior, carregava uma pasta de trabalho, como se estivesse voltando do trabalho. Só não sei quem daria emprego para um desgraçado como aquele.
O cara começou a cantar suas pregações desafinadamente. E eu comecei a ficar irritado. Fechei o livro que estava lendo e passei a encarar o dito com um olhar ameaçador do tipo “cala essa porra de boca, senão vou te dar umas bicas”.
Como se não bastasse as minhas ameaças oculares não terem surtido efeito, aquele pentelho ainda veio pregar bem do meu lado. Fechei os olhos, contei até 30, mas não teve jeito. Mandei o cara ir tomar no cu, bem alto, no meio do trem.
Para a minha surpresa, o cara nem ligou. Fez um sinal de jóia com o dedo polegar em minha direção, e foi cantando até o vagão da frente. Não parou até que a viagem terminou, 30 minutos depois.

24.5.04

God Bless America!!!! 

Povinho terceiromundista, habitantes de pseudo-democracias subdesenvolvidas. Aprendam com a maior potência militar do planeta como funciona uma democracia de verdade:

"Depois da divulgação de imagens de soldados norte-americanos torturando iraquianos na prisão de Abu Ghraib, o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, proibiu o uso de celulares equipados com câmeras digitais nas bases militares dos Estados Unidos no Iraque.
De acordo com o jornal 'The Business', o Departamento de Defesa acredita que algumas das fotos que ajudaram a manchar a reputação do Exército americano foram tiradas com celulares equipados com câmeras digitais.
'Câmeras digitais, filmadoras e celulares com câmeras foram proibidos em bases militares no Iraque', disse a fonte ao jornal. Segundo a fonte, 'é provável que os equipamentos sejam banidos de bases militares americanas'. (fonte: Folha online)

20.5.04

Tiradas filosóficas (ou falta de inspiração mesmo) 

Tem dias na vida de uma pessoa que seria melhor se o despertador não tivesse funcionado. Acredito que você também já tenha vivido um dia assim, em que as coisas começam a dar errado logo que você se levanta da cama. A sensação que se tem é que Deus resolveu brincar com você nesse dia, testar a sua paciência. A minha anda bem curta nos últimos meses. Tanto que, em algumas oportunidades, nem mesmo meus comprimidinhos de Somalium fazem efeito.

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Essa não tem sido uma semana legal. Muita coisa chata aconteceu. E o pior é que eu não tenho nem mesmo o consolo de um final de semana livre. Plantão é foda em qualquer situação. Mas se torna muito pior em determinadas condições.

!!!!!!!!!!!!

A noite de ontem, entretanto, foi uma grata e exceção. Fazia tempo que eu não dava tanta risada. Os descobridores da cerveja e da canabis deveriam ganhar uma estátua cada um.

??????

Fato: em pelo menos 90% dos casos nossos pais têm razão no que dizem. Depois de inúmeras cabeçadas, finalmente eu consegui concluir que a gente não deve esperar muito das pessoas. Mesmo que essa pessoa seja um dos seus melhores amigos.

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Depois do protesto do amigo Fausto, decidi mudar o blog. A partir de agora os textos não serão mais precedidos pela frase “É por isso que eu bebo...”. Para não descaracterizar totalmente o blog, porém, a frase estará agora no final de cada post. Grato pela compreensão de todos.
É por isso que eu bebo...

4.5.04

É por isso que eu bebo... 

Era tarde de sábado, primeiro de maio, por volta das 15 horas. Dentro de um gigantesco galpão de fábrica na zona sul de São Paulo transformado em templo religioso, cerca de cinco mil pessoas são coadjuvantes de umas das cenas mais tristes que eu já vi.
A maior parte dessa massa era formada por desempregados. Tinham ido até o local porque um certo padre prometeu que abençoaria suas carteiras de trabalho.
Para aliviar o clima pesado, nada mais eficaz do que a música. E como a tensão era muito grande, foram doze na seqüência. Todas canções de sucessos do filão religioso, cantadas com afinco e emoção pelos fiéis.
Finalizada a primeira meia hora, anunciam a leitura de um trecho da bíblia e o espetáculo parece que vai finalmente ganhar a seriedade que o tema – desemprego – merece. Mas só até revelarem o nome da pessoa que faria a leitura. Sobe ao púlpito Celso Russomano, o ex-repórter do “Aqui Agora” que decidiu assumir a sua porção política, se elegeu deputado e agora é mais um filho da puta que ajuda a decidir o – infeliz – destino do povo brasileiro.
Rolam mais músicas previamente lançadas em CDs (que você pode adquirir ali mesmo, canta feliz e ainda ajuda o “Santuário”), chega finalmente a hora da benção das carteiras de trabalho. As pessoas apontam o documento em direção ao céu. Rezam de olhos fechados, ajoelhadas, em voz alta, chorando. Alguns seguravam nas mãos quatro ou mais carteiras de trabalho. São de familiares que não puderam ir, que não acreditam que a benção possa lhes ajudar a conseguir emprego, ou simplesmente já desistiram de conseguir um.
Depois da benção e da comunhão, a banda volta a tocar e o povo novamente se esquece do motivo que o levou até o templo da zona sul de São Paulo. De repente, tudo vira festa. Pessoas que até há pouco choravam ajoelhadas no chão, começam a bater palmas e a acompanhar as coreografias feitas no palco, quer dizer, no altar.
Um coro de cinco mil vozes grita o nome de Jesus. “Primeiro o lado direito”. “Agora o lado esquerdo”. “Quero ver só os homens”. “Agora só as mulheres”, anima o padre.
O público não se contêm. Uma tiazinha de cara amarrada até há pouco, agora pula com as mãos levantadas, como uma adolescente que acompanha o seu primeiro show de rock. Inesperadamente, um “trenzinho” humano com dezenas de metros de comprimento começa a serpentear os corretores do templo. O bispo da diocese, com um balde repleto de água-benta em uma das mãos e uma brocha de pintor na outra, passa a chapiscar seus fiéis com o líqüido. O padre, grande astro da celebração, inebriado pela energia emanada da platéia, toma o balde das mãos do bispo, dispensa a brocha e banha seu séquito com a água benta.
Duas horas se passaram. A população começa a deixar o tempo em direção à triste e desesperadora realidade. A missa em louvor aos trabalhadores celebrada pelo padre Marcelo Rossi chega ao fim.

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